O uso estratégico do recurso público para impulsionar a inovação nas cidades.
- Paulo Renato Ardenghi
- 29 de set.
- 4 min de leitura

O uso estratégico do recurso público para impulsionar a inovação nas cidades.
Introdução: a escassez como ponto de partida
Em praticamente todos os países, mas sobretudo na América Latina, o debate sobre uso do recurso público é marcado por um paradoxo. As cidades convivem com enormes carências estruturais em saúde, educação, saneamento, mobilidade e habitação, enquanto prefeitos e prefeitas enfrentam pressões por entregas rápidas e visíveis.
O que está em jogo, no entanto, não é apenas onde gastar, mas como investir. A inovação, muitas vezes vista como luxo, é na verdade infraestrutura invisível: cada real aplicado pode multiplicar valor ao atrair investimentos privados, gerar empregos, formar talentos e reduzir custos operacionais. A mudança de mentalidade — do gasto imediato ao investimento estratégico — é a chave para reposicionar as cidades no século XXI.
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O falso dilema: infraestrutura tradicional versus inovação:
Quando se discute orçamento público, a comparação é inevitável. Um quilômetro de asfalto ou um programa de aceleração de startups? Construir uma nova escola ou investir em formação de professores e inovação pedagógica?
Dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostram que obras de infraestrutura urbana consomem milhões de dólares por quilômetro. Embora gerem impacto político imediato, o retorno econômico se esgota na própria obra.
Em contrapartida, políticas de inovação — embora menos visíveis no curto prazo — têm efeito multiplicador:
• O BID estima que a América Latina perde bilhões por ano em valor não capturado dos resíduos sólidos. Políticas de economia circular podem transformar esse passivo em receita, reduzindo custos de aterros e gerando empregos verdes.
• A CAF aponta que cada dólar investido em energias renováveis pode gerar até quatro dólares em benefícios econômicos, entre empregos, eficiência e redução da dependência de fósseis.
• O Fórum Econômico Mundial (WEF) calcula que congestionamentos podem consumir até 4% do PIB das metrópoles, reforçando que mobilidade inteligente é também política econômica.
• A OCDE demonstra que cada ano adicional de escolaridade de qualidade aumenta em até 10% a produtividade do trabalho. Educação inovadora não é despesa: é o maior investimento em competitividade que uma cidade pode fazer.
Portanto, o dilema não é entre asfalto ou inovação. É entre gastar em soluções de retorno limitado ou investir em iniciativas que multiplicam valor.
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Inovação como multiplicador de impacto: cinco experiências:
1. Singapura – Smart Nation
Em 2014, o governo lançou a iniciativa Smart Nation, destinando recursos à digitalização dos serviços, sensores urbanos e inteligência artificial.
• Investimento público: bilhões em infraestrutura digital.
• Resultados: mais de 95% dos serviços do governo hoje online, redução de custos administrativos e aumento da eficiência.
• Impacto: Singapura consolidou-se como hub asiático de inovação, atraindo empresas globais e capital estrangeiro.
2. Hyderabad (Índia) – T-Hub e Startup India
O Estado de Telangana estruturou o T-Hub, hoje a maior incubadora de startups da Ásia.
• Investimento público: apoio em governança, espaço físico e incentivos.
• Resultados: centenas de startups apoiadas e atração de investidores internacionais.
• Impacto: criação de nova matriz econômica e empregos qualificados em tecnologia.
3. Gravataí (Brasil) – Ecossistema de Startups:
No Rio Grande do Sul, Gravataí aplicou R$ 2 milhões em um programa de inovação com metodologia clara de aceleração.
• Investimento público: R$ 2 milhões.
• Resultados: 60 startups aceleradas; 25% delas já faturando acima de R$ 1 milhão ao ano.
• Impacto: atração de R$ 25 milhões em investimentos de grandes empresas para o ecossistema local, mostrando retorno superior a 12 vezes o valor aplicado.
4.Encantado (Brasil) – Educação como motor de desenvolvimento
No interior do Rio Grande do Sul, Encantado não ampliou o orçamento de educação (mantendo os 25% constitucionais), mas reprogramou e inovou na aplicação.
• Investimento público: dentro dos limites legais.
• Resultados: salto de 50 posições no IDEB, criação de empregos via educação integral e avanço expressivo nos índices de aprendizagem.
• Impacto: demonstração de que inovação em políticas educacionais gera retorno social e econômico mesmo sem aumento de gastos.
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Coragem política: investir no invisível
Uma avenida inaugurada rende aplausos imediatos; um hub de inovação ou um programa educacional transformador exigem tempo para mostrar frutos. Esse descompasso entre tempo político e tempo da inovação explica a resistência de muitos gestores.
Mas prefeitos que ousam investir em inovação provam que o retorno compensa. Gravataí e Encantado são a prova viva de que não é preciso aumentar o orçamento, mas usá-lo de forma estratégica. O que muda não é a quantidade de recursos, e sim a inteligência com que são aplicados.
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Conclusão: inovação como infraestrutura invisível
Estradas se desgastam, prédios envelhecem. Mas ecossistemas de startups, professores inovadores e alunos com aprendizagem qualificada se valorizam ao longo do tempo.
O desafio para prefeitos e prefeitas é mudar a pergunta central: não apenas “quanto custa?”, mas “quanto retorna?”.
Quando inovação é tratada como investimento estratégico, ela se torna a infraestrutura invisível que multiplica prosperidade econômica, inclusão social e sustentabilidade. E os exemplos de Singapura, Hyderabad, Reggio Emilia, Gravataí e Encantado mostram que esse futuro já está acontecendo — basta coragem para segui-lo.


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